A Guerra e a Moda
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) não só moldou a história política e social, mas também teve um impacto profundo na moda. Antes do conflito, a moda era marcada por características típicas da era vitoriana e eduardiana, incluindo saias volumosas, espartilhos apertados e silhuetas elaboradas, refletindo a expectativa de que as mulheres assumissem um papel ornamental na sociedade. Essas roupas eram muitas vezes desconfortáveis e restritivas, limitando a mobilidade feminina e reforçando papéis tradicionais de gênero. Durante o período de guerra, o vestuário evoluiu para refletir as mudanças nos papéis de gênero, a economia de recursos e as atitudes sociais.
O conflito impôs novas exigências à vida cotidiana, especialmente às mulheres, que passaram a assumir papéis diferentes, muitos deles antes ocupados por homens. Essa mudança gerou uma transformação significativa no vestuário feminino, tornando-o mais prático e adaptável ao trabalho e às novas responsabilidades. Esse momento marcou a ruptura com as tradições da moda restritiva da era vitoriana e permitiu um novo tipo de liberdade que representava a resiliência e versatilidade feminina.
Personalidades importantes desse período foram Coco Chanel, que revolucionou a moda ao introduzir simplicidade e funcionalidade; Madeleine Vionnet, que desenvolveu o corte em viés para criar roupas elegantes e confortáveis; Paul Poiret, que contribuiu para a liberação da silhueta feminina removendo a necessidade de espartilhos apertados; e Jeanne Paquin, que foi uma das primeiras mulheres a dirigir uma casa de moda de alta costura, reconhecida por suas criações sofisticadas e por contribuir para a modernização da moda feminina na época. Durante a Primeira Guerra Mundial, Jeanne também serviu como presidente da Chambre Syndicale de la Couture, sendo a primeira mulher a ocupar a presidência de um sindicato patronal na França, um marco importante para a emancipação feminina na indústria da moda.
Emancipação Feminina e Transformação dos Papéis Sociais
A mobilização de milhões de homens para o esforço de guerra criou uma lacuna na força de trabalho que foi preenchida por mulheres. Elas assumiram posições em fábricas, escritórios, serviços de transporte e até em unidades médicas próximas ao front. Essa transição exigiu roupas práticas que permitissem maior mobilidade e segurança.
Abandono do Espartilho
O espartilho rígido, símbolo da moda feminina vitoriana, começou a ser abandonado. As mulheres adotaram cintas mais flexíveis ou eliminaram completamente essa peça para facilitar o movimento no trabalho.
Adoção de Calças e Macacões
Pela primeira vez em larga escala, as mulheres começaram a usar calças e macacões, especialmente nas fábricas e em trabalhos agrícolas. Essa mudança desafiou normas sociais e influenciou a moda feminina futura.
Simplificação das Silhuetas
Vestidos e saias tornaram-se mais curtos e menos volumosos, geralmente até o tornozelo ou a panturrilha, permitindo maior liberdade de movimento.
Influência Militar na Moda Civil
A estética militar permeou a moda civil de diversas maneiras, refletindo o ambiente de guerra.
Cores Sóbrias e Neutras
Tons como caqui, verde-oliva, cinza e azul marinho tornaram-se predominantes, influenciados pelas cores dos uniformes militares.
Detalhes Militares
Botões de latão, bolsos utilitários e cintos largos foram incorporados às roupas civis, conferindo um aspecto funcional e prático.
Trench Coat
Originalmente desenvolvido por Thomas Burberry para o exército britânico, o trench coat tornou-se um item popular entre os civis. Feito de gabardine resistente à água, era prático e estiloso.
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Inovações dos Designers e a Busca por Funcionalidade
A necessidade de praticidade durante a guerra estimulou designers a buscarem soluções criativas que mantivessem o senso estético apesar das restrições. Coco Chanel desempenhou um papel fundamental ao promover a simplicidade e a funcionalidade na moda feminina, popularizando o uso do jersey, um tecido anteriormente associado a roupas íntimas, para criar vestidos e conjuntos confortáveis e elegantes. Madeleine Vionnet também se destacou ao desenvolver suas técnicas de corte em viés, criando roupas que se adaptavam ao corpo feminino sem a necessidade de estruturas rígidas, promovendo a elegância com conforto. Paul Poiret, embora sua influência tenha diminuído durante a guerra devido ao seu estilo extravagante, foi responsável por uma importante mudança anterior ao conflito, liberando a silhueta feminina do espartilho e propondo uma abordagem mais fluida e libertadora para as mulheres.
Maison Vionnet reabriu em 1918 na Avenida Montaigne após fechamento forçado no começo da Guerra, em 1914.
A Moda como Reflexo da Sociedade: Expressão em Tempos de Guerra
Durante a guerra, a moda se tornou um reflexo direto das emoções e do estado psicológico da sociedade. O luto, devido à perda massiva de vidas, tornou-se uma constante. Roupas pretas ou de cores escuras eram amplamente utilizadas, expressando o luto tanto de maneira pessoal quanto coletiva. Ao mesmo tempo, o patriotismo se manifestou por meio do vestuário, com muitas pessoas adotando cores nacionais ou insígnias como forma de demonstrar apoio às tropas e à nação. Em algumas regiões, a preservação de elementos tradicionais na vestimenta era uma forma de resistência cultural, mantendo a identidade em um momento de incertezas e adversidades.
Exemplos reais ilustram claramente esse contexto. A estilista Jeanne Paquin, por exemplo, que foi a primeira mulher a liderar um sindicato patronal na França, utilizou sua posição para destacar a importância da moda mesmo durante o período de guerra, promovendo eventos beneficentes e desfiles que levantavam a moral e destacavam a resiliência francesa. Outro exemplo é o das enfermeiras que atuavam no front, como Vera Brittain, que usava uniformes funcionais, mas encontrava formas de manter uma aparência digna e confortável. Esses uniformes, muitas vezes adaptados com pequenos detalhes pessoais, ajudavam a transmitir a força e a determinação necessárias em um ambiente tão adverso. Já na vida cotidiana, mulheres comuns muitas vezes personalizavam seus vestidos com fitas ou insígnias patrióticas, o que ajudava a manter o moral elevado e reforçava o sentimento de união e apoio à causa nacional.
Trailer do filme Juventudes Roubadas (2015) – Original “Testament of Youth” – baseado no livro da feminista e ativista Vera Mary Brittain que conta suas memórias da Primeira Guerra Mundial
Impacto Duradouro e Pós-Guerra
Com o término da guerra, o vestuário feminino nunca mais voltou ao que era antes. A moda dos anos 1920, com seus vestidos mais soltos e cabelos curtos, é uma consequência direta das mudanças iniciadas durante o conflito. As mulheres passaram a buscar roupas que representassem liberdade, movimento e uma postura mais ativa na sociedade. O estilo “flapper” da década de 1920, com uma silhueta tubular e roupas menos estruturadas, simbolizava a emancipação e o desejo de romper com o passado. As mudanças nos papéis sociais das mulheres durante a guerra deixaram um legado duradouro, e a moda se tornou uma expressão de uma nova atitude de confiança e independência, moldando o caminho para as gerações futuras.
A Primeira Guerra Mundial trouxe uma mudança estrutural para a moda, que se tornou um reflexo da nova realidade feminina. A funcionalidade e o estilo adaptado aos tempos de guerra foram os precursores da moda moderna, marcando a transição para um vestuário menos restritivo e mais igualitário. A resiliência e a criatividade das mulheres durante esse período mostraram que a moda pode ser uma forma poderosa de expressão e de adaptação às mudanças sociais e históricas. Além disso, o legado desse período evidencia como a moda é intrinsecamente ligada aos contextos sociais, servindo como um espelho das necessidades, desafios e aspirações de uma época.